A trilogia original de Mass Effect foi um marco para a indústria de videogames. A BioWare, sua desenvolvedora, entregou uma obra épica que quebrou as barreiras das telas dos consoles e conseguiu elogios de diversos veículos, até mesmo de fora do jornalismo gamer. Além deste SciFi, a empresa também tinha entregado excelentes experiências com sua franquia Dragon Age, tendo Inquisition levado em 2014 o título de melhor jogo do ano em diversas premiações. Nada poderia abalar a gigante BioWare.
Nada a não ser ela mesma.
O que não sabíamos, até então, era que Dragon Age: Inquisiton só deu realmente certo por mero acaso. A empresa já estava há muitos anos sendo corroída por práticas irresponsáveis próprias, desde antes mesmo dessa geração de consoles. O primeiro reflexo palpável dessa postura foi a surpresa negativa ao revivermos Mass Effect no episódio Andromeda: o jogo pouco se parecia com os primorosos trabalhos da empresa até então.
E assim aconteceu também com Anthem, em um nível ainda pior.
O jornalista Jason Schreier do site Kotaku divulgou um artigo gigante sobre o desastre de Anthem, baseado em 19 entrevistas com atuais e ex-funcionários da BioWare, onde ele destrincha os problemas que levaram ao mais recente fiasco da empresa e da EA, sua distribuidora. Nas entrevistas temos revelações bombásticas de má gestão, abuso moral, jornadas de trabalho surreais, afastamento de funcionários por stress, crises internas e o uso de um motor extremamente limitado e fraco.
Segue resumo dos fatos:
O projeto de Anthem começou em grande euforia. O time reunia as melhores cabeças da BioWare, experientes talentos que haviam trabalhados nos melhores títulos da empresa. A ideia era criar algo jamais visto no mundo dos games, uma experiência realmente original e desafiadora, que explorasse ao máximo o potencial da atual geração de videogames. Porém a empresa precisava se adaptar à realidade que batia à porta: novo gênero, nova marca, nova tecnologia e novo estilo. Logo nos primeiros anos os problemas foram aparecendo. Problemas que viraram caos com o passar do tempo.
Ao longo de toda a pré-produção do jogo a liderança do projeto esteve perdida. Pouco era aprovado, ninguém tinha a palavra final em quase nada e, com isso, muitos pontos ficavam eternamente em discussão. Designs, artes e protótipos eram constantemente recomeçados do zero por mudanças constantes na abordagem do jogo, na história e no game design. Para se ter uma ideia, a capacidade de voar foi inserida e retirada do jogo inúmeras vezes, influenciando todos os departamentos que precisavam, a cada mudança, adaptar o que já tinham desenvolvido.
Além dos insistentes recomeços, o time andava com pouco pessoal, pois o time gerencial constantemente dedicava boa mão de obra extremamente qualificada a títulos da EA que geram mais lucro, como FIFA por exemplo. Com isso, além de trabalharem com menos membros, a equipe de Anthem recebia menos recurso e suporte, principalmente no que tange ao motor do jogo: a engine Frostbite, enfiada goela abaixo das desenvolvedoras pelos manda-chuvas da EA.
As críticas à Frostbite não são de hoje, mas parece que em Anthem elas chegaram a um nível caótico. Diversos programadores e desenvolvedores entrevistados foram enfáticos em dizer que é uma ferramenta quebrada, cheia de bugs, limitações e que claramente não foi criada para desenvolver diversos tipos de jogos. Certamente não foi feita para um jogo de tiro em terceira pessoa de mundo relativamente aberto e, pior de tudo, Online. É válido lembrar que a Frostbite foi desenvolvida pela DICE para criar jogos da franquia Battlefield.
A falta de uma liderança assertiva se prolongou até um nível insustentável. Faltavam cerca de 2 anos para o lançamento do jogo e o projeto ainda estava em pré-produção, nada estava sendo montado de fato. Os times não estavam criando coerência, não haviam missões, a história não estava definida, não tinha um gameplay sólido e nem mesmo o título do jogo estava escolhido. Os funcionários trabalhavam de vendas nos olhos sem sequer saber sobre o que eles estavam entregando. O que vimos na E3 2017 era nada mais do que um punhado de micro-fragmentos de Anthem, o jogo não tinha nem a missão inicial pronta.
Confira abaixo o gameplay revelado na E3 2017. As diferenças para a versão final são gritantes.
Outro ponto extremamente problemático é o fato de que parece haver uma hierarquia moral dentro da própria BioWare baseada no tempo de casa e envolvimentos com certos projetos do passado. O estúdio principal, em Edmonton, se acha o rei da cocada enquanto os outros em Austin e Montreal são tidos como os times B e C. Essa crise de confiança da empresa impediu, também, a devida interação entre as cabeças pensantes quando a crise começou a explodir de vez.
Resultado? Sem nada concreto em mãos faltando 1 ano e meio para o lançamento.
Após o fracassado lançamento de Mass Effect: Andromeda, a pressão aumentou. A empresa enfrentava agora o relógio e a desconfiança da comunidade e dos críticos. Muitos líderes de departamento estavam deixando a empresa por não concordar com essas práticas que vinham sendo reproduzidas desde antes de Dragon Age: Inquistion. Cada vez mais o incêndio no projeto Anthem piorava.
Como medida emergencial para poder entregar Anthem até o fim de ano fiscal da EA Games, a BioWare alocou o máximo de gente possível em Anthem e o jogo foi, de forma prática, criado em pouco mais de 1 ano. Mas isso causou uma perda humana bizarra. Alguns funcionários chamaram de epidemia de estresse, pois a maioria fez hora extra e trabalhou aos fins de semana por todo o período de correria até o lançamento. Diversos funcionários se demitiram por estarem surtando, outros eram afastados por indicação médica e alguns simplesmente não apareciam mais no dia seguinte.
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Sob a pressão pelo prazo de lançamento, não houve a opção de lançar um jogo polido. Anthem foi entregue às lojas físicas e virtuais contendo, na prática, somente parte do núcleo do game. Não à toa enfrentamos até agora diversos problemas técnicos, como bugs e problemas de conexão, além da falta de conteúdo, missões, skins, armas e partes incoerentes de história e diálogos. Diversas pessoas estão até mesmo processando a EA por propaganda enganosa.
Existe algum ponto positivo em tudo isso? Talvez.
No desespero por entregar Anthem, a BioWare cancelou o início da produção de Dragon Age 4, pois todo o pessoal do jogo mergulhou na força-tarefa para fnalizar Anthem. Como isso pode ser bom? Ao recomeçar a produção de Dragon Age, existe espaço para que a empresa respire e seus líderes façam um cronograma maduro para que toda a produção do jogo seja executada da devida maneira. Desta forma poderemos ter um jogo completo em mãos e nenhum funcionário será obrigado a se submeter à condições sub-humanas de trabalho.
Baseado no artigo original “How BioWare’s Anthem Went Wrong”, caso queiram ler em inglês a matéria original completa, clique aqui.
Que decepção com esse jogo. Zerei e nao tenho coragem nem de ligar pra jogar online e melhorar minha lança. No aguardo pra daqui a anos quando eles verem que vai dar prejuizo, lançarem as DLCs gratuitas ao menos. Fiasco dos Fiascos.
Pelo menos a empresa tem dito que está realmente revendo suas práticas. O jeito é rezar para um Dragon Age 4 de dar gosto e que seja benéfico para todos.