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Análise: a vida díficil de um Marine em Space Hulk: Deathwing

Nos games, a franquia Warhammer 40k tem como um de seus principais expoentes os jogos da subsérie Space Hulk. Originalmente um jogo de tabuleiro, Space Hulk consistia na exploração de uma antiga, gótica e gigantesca nave espacial por um grupo de Space Marines que buscam artefatos enquanto enfrentam hordas intermináveis de Genestealers. Não entendeu nada? Bom, o universo dos jogos de Warhammer 40k carrega décadas de história e é impiedosamente breve ao oferecer quaisquer informações sobre ela, mas farei o possível para iluminar vossas mentes neste review para melhor entendimento. Space Hulk: Deathwing é a mais nova iteração da longa subsérie Space Hulk e é um FPS de esquadrão com grande ênfase em multiplayer, produzido pela Focus Home Interactive e desenvolvido pela Streum On Studio, do razoavelmente popular shooter old-school E.Y.E: Divine Cybermancy.

Como falamos, o universo de Warhammer 40k é extremamente complexo. Nele, seguimos as histórias do Empire of Man, o império essencialmente fascista sob o qual boa parte da humanidade vive. Mas os dias de glória, conquista e avanço tecnológico do império já se passaram há muito tempo e, hoje, Space Marines, soldados geneticamente modificados para serem maiores e mais fortes que humanos normais, formam as legiões do império para defender a humanidade de uma das galáxias mais hostis de qualquer lore de ficção científica e reclamar as tecnologias perdidas do passado. As Space Hulks, que são as colossais naves à deriva no espaço, relíquias de tempos melhores, são exploradas pelos Space Marines em missões perigosíssimas, pois as Space Hulk estão normalmente tomadas pelos Tyranids (uma coleção de raças alienígenas que dividem um mesmo código genético), mais especificamente pelos Genestealers (algo como Ladrões Genéticos), que são uma espécie de Tyranid dedicada a infiltrar outras raças e reproduzir-se sequestrando-as. Os Genestealers são basicamente os Xenos da série de filmes Alien, criaturas que se multiplicam rapidamente, agressivas, ágeis e perigosas.

space hulk deathwing

Sabendo dessa premissa básica, voltemos ao jogo de tabuleiro Space Hulk. Ele consiste em jogadores que assumem dois lados opostos, um com os Space Marines e outro com os Genestealers. O tabuleiro é uma Space Hulk, e sua coleção de corredores, interseções e salas podem ser distribuídos em várias configurações possíveis para sempre mudar o mapa. Os Space Marines são poderosos, mas poucos, e devem recuperar uma relíquia no interior da nave e fugir o mais rapidamente possível enquanto os Genestealers, mais numerosos, devem matá-los. Deathwing foi uma expansão do jogo de tabuleiro que incluía, entre outras coisas, os Librarian, que são Space Marines com poderosos poderes psíquicos. Em 2013, a Full Control Studios lançou “Space Hulk”, uma versão para PC do jogo de tabuleiro com visão isométrica, longos e intrincados corredores e uma infinidade de Genestealers. O combate em turnos e o campo de visão tornaram este jogo e seu sucessor, Space Hulk Ascension, versões muito fiéis ao jogo original.

Agora, a Streum On Studio lança Space Hulk: Deathwing, trazendo pela primeira vez o universo da série ao gênero FPS. E mais uma vez observamos o quanto Deathwing foi capaz de se manter fiel às raízes. A jogabilidade é uma tradução fiel da jogabilidade dos jogos de estratégia Space Hulk para um gênero com mais ação e tiroteio. Você é o líder de um esquadrão de Space Marines, um Librarian como nos jogos de tabuleiro, e seu esquadrão é composto por outros dois “irmãos” sem poderes: Barachiel e Nahum. A campanha é dividida em fases, cada uma em uma Space Hulk diferente e, enquanto o jogador perambula pelo interior dessas naves gigantescas, a ação se desenrola praticamente a cada nova sala, conforme Genestealers deixam pontos específicos de spawn (que ficam marcados em seu mapa para dar ao jogador um tempo de se preparar, mas estão em praticamente toda a nave de qualquer forma) e correm na sua direção. Essa pouca variação na maneira como os combates acontecem, resumindo-se a um avanço desenfreado dos Genestealers  em grandes ondas, pode saturar e tornar a real exploração das Space Hulks algo mais doloroso do que deveria ser. Some-se a isso o design expansivo de cada uma das espaçonaves, que oferecem diversos caminhos até seu objetivo ou salas redundantes que levam a outros lugares sem relação com ele – você pode explorar o local em busca de coletáveis opcionais (as já mencionadas relíquias), mas fazê-lo envolve triplicar a quantidade de combates, que já são repetitivos, em cada estágio.

space hulk deathwing

As próprias relíquias oferecem uma recompensa duvidosa. Elas aumentam sua Força de Vontade (Willpower), mas o jogo faz o pior serviço imaginável em explicar o que ela faz. A própria comunidade não tem ideia, especulando que ela possa oferecer experiência para adquirir novas habilidades ao final de cada estágio, traduza-se em novas armas, ou, ainda, aumentem a força de suas habilidades psíquicas. Qualquer que seja o caso (e eu apostaria que é esta última hipótese), é difícil se motivar em coletar esses itens bônus quando é necessário penar tanto para consegui-los e não se sabe o que fazem. Algumas relíquias são inspecion áveis em uma manequim – as Major Relics, que compõem o traje e o equipamento de um antigo Space Marine/Librarian que é até interessante de completar, mas a maioria, menores, não têm nome e nem aparência, aparecendo como pequenos invólucros no mapa do jogo.

No início de cada missão, você estará em uma pequena sala dentro de sua nave de comando, onde você e seus irmãos do esquadrão podem se armar. Você pode escolher entre uma grande quantidade de até aproximadamente duas dezenas de armamentos que são adquiridos conforme as missões em cada fase são completadas. A variedade só não é tão grande quanto aparece ser porque todas as armas possuem modelos idênticos com algumas diferenças como frequência no tiro ou dano por projétil, como no caso da icônica Bolter, a arma padrão dos Space Marines e que chega a ter até três versões levemente diferentes entre si. Nessa tela de customização você também pode escolher as armas de seus parceiros, que podem equipar uma quantidade muito mais restrita de armas. Barachiel é seu irmão de equipamento pesado, e portanto pode equipar apenas armas como o Assault Cannon ou o Plasma Cannon. Nahum é o Apotecário do time, o curandeiro, e tem uma minúscula seleção de armas  – que você não deve nem pensar em trocar, porque se ele usar algo além de seu Bolter ele não pode curar ninguém, sendo esta a única maneira de se curar normalmente durante as missões. Mas aí vai uma sugestão: Barachiel é muito mais eficiente com armas brancas como as Lightning Claws, do que com qualquer arma de fogo – pode experimentar e ver a diferença. Você ainda pode voltar para a nave de comando a qualquer momento abrindo um portal até ela (para se curar ou trocar o equipamento), mas o jogador possui uma quantidade limitada destes, que só podem ser recuperados ao terminar missões com um bom desempenho.

space hulk deathwing

Falando nos dois companheiros, o sistema de ordens ao esquadrão é razoavelmente limitado. As opções estão em um menu radial que pode ser facilmente acessado com a tecla espaço, e consistem em “Seguir”, que fica habilitado por padrão; “Manter posição”, que ordena seus irmãos a ficarem onde estão; e mais uma opção que funciona como a anterior mas que permite apontar e escolher o lugar em que cada membro do seu esquadrão deve ficar. Além destas, outra opções contextuais ficam disponíveis nos momentos oportunos, como a ordem de hackear ou de destruir portas trancadas. Cada opção tática pode ser selecionada por atalhos no teclado para facilitar, mas eu raramente os utilizava. Na verdade, eu raramente usava qualquer tipo de ordem, pois o jogo não coloca muita ênfase em posicionamento nem em cobertura, que são aspectos consolidados de shooters táticos e/ou de esquadrões. Dito isto, é muito comum que seus aliados se coloquem na frente de seus tiros, o que é evidente irritante, pois embora não haja fogo amigo no jogo, você termina desperdiçando valiosas balas que podiam estar explodindo cabeças Tyranids.

A fraca IA de seus companheiros é um dos motivos que torna o multiplayer o foco deste jogo. A outra é que o combate é simplesmente mais divertido com outras pessoas e, principalmente, com amigos. A estrutura geral do game de chegar de um ponto a outro enquanto é atacado por ondas intermináveis de inimigos, lembra a de Left 4 Dead, um jogo conhecido quase que exclusivamente pelo seu modo multiplayer. E Space Hulk: Deathwing, funciona da mesma forma, com a campanha principal sendo o cenário também do multiplayer (com a diferença de que, nesse modo, um quarto Space Marine é adicionado para ser controlado também). O multiplayer tornou minha experiência com Deathwing muito mais divertida e a repetitividade do gameplay mais palatável. O único problema para os fãs brasileiros do jogo pode ser encontrar partidas ou alguém com quem jogar online e que ofereça uma conexão adequada com o Brasil. A melhor aposta seria comprar o jogo com amigos e jogá-lo com eles.

O combate é algo que também merece atenção. As armas possuem um peso agradável e você será capaz de sentir o peso e a visceralidade de cada uma durante os disparos, mas a repetição incessante em fases que, se exploradas por completo, podem levar uma hora ou mais para serem terminadas,  sugam boa parte do impacto da jogabilidade. Além de armas, você também têm poderes psiquícos, que podem ser usados a qualquer momento desde que se espere o fim do cooldown específico de cada uma delas (como habilidade em um MMO). Até três poderes podem ser equipados ao mesmo tempo e serão inestimáveis para completar o jogo, considerando que a maioria causa danos de área poderosos contra a multidão de adversários que o cerca.  A variedade de inimigos também não é das maiores: todos são Genestealers e a grande maioria possui apenas ataques físicos com suas garras e diferem apenas no tamanho, no dano que podem infligir e, por sua vez, na capacidade de aguentarem seus golpes. Existem algumas formas humanoides de Genestealers, que são bem mais frágeis mas podem causar um dano potencialmente maior à distância com armas de fogo ou poderes psíquicos e, em geral, devem ser exterminadas primeiro. As únicas interrupções no combate são as interações com portas e torretas. Você pode hackear uma torreta controlada pelo inimigo para controlá-la, desativá-la ou destruí-la. Para isso, você deve abrir seu mapa e selecionar a torreta, desde que esteja próxima. Não é especialmente divertido, mas acrescenta uma mínima variedade ao tiroteio de sempre. Algumas portas que estão trancadas só podem ser transposta se hackeadas ou destruídas, mas dessa vez você pode fazê-lo na tela de jogo, sem abrir o mapa. Hackear é um pouco mais demorado do que destruir (que normalmente exige apenas um ou dois golpes físicos) e não oferecem recompensas, então, sinceramente, não saberia dizer porque estão no jogo.

space hulk deathwing

Um dos maiores pecados que o jogo comete está na estrutura das missões. Como já dito, elas envolvem percorrer cenários gigantescos e labirínticos enquanto enfrenta ondas infinitas de Tyranids em combates repetitivos. Talvez se elas não se restringissem de ir de ponto A a B,  com pausas para defender um local enquanto uma horda de ataca, o jogo pudesse ter se saído melhor nesse ponto. Este tipo de gameplay definitivamente se encaixa melhor no modo multiplayer entre amigos, mas não funciona muito bem no singleplayer. Por outro lado, esse tipo de missão é exatamente como Space Hulk funciona em suas outras interações. Aliás, os fãs da série certamente encontrarão muita coisa de familiar em Deathwing. Jogando como um Space Marine/Librarian, o jogador se sente como um tanque de guerra, que pode receber uma quantidade incrível de dano antes de morrer e possui um pesadíssimo e poderoso arsenal para lidar com as ameças da galáxia. A movimentação lenta e a incapacidade de pular complementam a sensação de imersão no universo de Warhammer 40k.

Outro grande ponto negativo está na performance. O jogo foi desenvolvido com a maravilhosa Unreal Engine 4 e apresenta cenários amplos e detalhados, muito fiéis a lore de Warhammer 40k, sendo um show a parte nos grandes salões góticos das naves (você realmente se esquece que está numa banheira de metal à deriva, com alguns ambientes lembrando mais antigas catedrais em ruínas). Excepcionais efeitos de luz, sombra e poeira, além de efeitos sonoros acurados ajudam a emergir ainda mais o jogador na experiência. Porém, com as ondas de inimigos sendo tão prevalentes, a performance do jogo cai incrivelmente rápido dos 60 quadros por segundo para 20 ou menos. Em infestações especialmente complicadas de alienígenas, tudo que você pode ver é uma apresentação de slides de sangue, balas e caretas de Xenos enquanto a taxa de quadros cai vertiginosamente. A Streum On liberou uma atualização voltada para melhorar a performance semanas após o lançamento do jogo, e parece ter melhorado a situação um pouco, mas as quedas ainda são inevitáveis, mesmo com as opções gráficas configuradas para o Médio. Utilizo uma placa de vídeo da XFX, a R9 390, que deveria ser mais do que suficiente para uma boa performance (para efeitos de comparação, os fóruns do jogo estão lotados de pessoas com GTX 1080 que têm problemas tão ruins ou piores do que os meus). Espera-se que os desenvolvedores possam otimizar ainda mais o jogo para que ele se torne uma experiência mais aprazível e “jogável” no futuro.

Space Hulk: Deathwing é uma tentativa honesta de traduzir um clássico dos jogos de tabuleiro (e os antológicos jogos de estratégia tática da subsérie) para o competitivo gênero FPS. Como um game singleplayer, o combate razoavelmente interessante, ainda que não se sustente por muitas horas, e a repetitividade da exploração e das lutas contra os genestealers tornam a experiência medíocre. A performance muito abaixo do esperado pode irritar bastante também e certamente pessoas que não estão familiarizadas com a história de Warhammer 40k terão que contar com sites externos para tentar entender o que está acontecendo no jogo. No multiplayer, as coisas são melhores e as falhas do jogo não saltam tanto aos olhos. Porém, encontrar um jogo ideal no Brasil pode ser uma tarefa complicada a não ser que um grupo de inimigos se junte para fazê-lo. Space Hulk: Deathwing é vendido por R$ 99,00 na Steam, o que hoje em dia não é mais o preço de uma lançamento AAA, mas que pode ser um pouco caro para o conteúdo oferecido, ainda mais quando o jogo ainda não está bem otimizado. Neste caso, a paciência dos Space Marines pode ser a maior virtude a exercer.

{{

game = [Space Hulk: Deathwing]

info = [Lançamento: 14/12/2016]

info = [Produtora: Streum On Studio]

info = [Distribuidora: Focus Home Interactive]

plataformas = [PC]

nota = [2/5]

decisão = [Apenas para fãs de Space Hulk e Warhammer]

texto = [Falhas fundamentais impedem que este]

texto = [jogo supere seus ilustres antecessores]

positivo = [Multiplayer]

positivo = [Gráficos e direção de arte]

positivo = [Imersão]

negativo = [Performance lamentável]

negativo = [Repetitividade]

negativo = [Combate sem substância]

negativo = [Não atende a novos fãs]

negativo = [A parte tática do jogo]

}}

Pedro Nogueira

Formado em Administração e em GunZ: The Duel. Rei dos FPS e o Toretto dos jogos de corrida no site. O nerd/entusiasta do PC Master Race, responsável por análise de periféricos e hardware. Quebra um galho de streamer lá na twitch.tv/ultimaficha.

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