Opinião: O que No Man’s Sky nos ensina sobre o Hype
Aqui na redação sou conhecido como um protótipo de hater, ou alguém que é excessivamente pessimista com futuros lançamentos que são muito esperados por segmentos da comunidade gamer. Tudo na brincadeira, é claro. Mas para manter a fama, estava redigindo um texto sobre como achava a campanha singleplayer de Titanfall 2 uma má ideia, levantando pontos a respeito da jogabilidade para sustentar a premissa. Durante a composição do texto, o trailer definitivo sobre a visão da Respawn Studios para a campanha atingiu as redes e me vi convencido de que os desenvolvedores entendem bem o que torna um jogo como Titanfall um prazer de ser jogado e como conservar essa fórmula em uma aventura para um jogador com trama e personagens. Enfim, mudei de ideia nesse caso.
Mas anos de vivência junto a games de diversos tamanhos e gêneros ajudaram a formar uma “casca” de ceticismo com relação a novos lançamentos. Algo que simplesmente me impede de empolgar-me cegamente e me compele a tomar uma atitude mais cautelosa e moderada, ainda que seja com relação a uma sequência de um dos meus FPS favoritos dos últimos anos, Titanfall 2. Mas praticamente todos nós somos suscetíveis aos efeitos de um dos acontecimentos mais constantes da indústria de games triple A moderna: o hype. No caso, o hype se refere a uma expectativa gigantesca que se forma em torno de um anúncio de um jogo ou durante a sua produção; trata-se de um fenômeno social auto-suficiente, onde a expectativa de um grupo de indivíduos gera um efeito igual em outro grupo, que se expande e geram bolhas insufladas de esperança. Muitas vezes, essa expectativa atinge níveis irrazoáveis e o resultado, com o lançamento do jogo em questão, são legiões de jogadores desapontados.
O que nos leva a No Man’s Sky. O título, lançado em agosto de deste ano, foi originalmente anunciado em dezembro de 2013 em um trailer fantástico. A mídia chamou bastante atenção para o jogo desde então, apesar de saberem que o diminuto estúdio Hello Games, responsável pelo jogo, consistia em 4 pessoas na época e tinha como lançamentos apenas os simpáticos e nada ambiciosos jogos da série Joe Danger. Logo depois, a Sony também começou a sondar o estúdio no intuito de financiar seu desenvolvimento e responsabilizar-se pela produção, já exibindo o jogo em sua conferência na E3 2014 e garantindo a exclusividade para os consoles. Durante o desenvolvimento, Sean Murray, fundador e garoto propaganda da Hello Games, tinha seu rosto estampado em todas as mídias especializadas (inclusive realizando a proeza de ser convidado a programas mainstream que nada tem a ver com games, como o popular programa americano de Stephen Colbert) e era idolatrado em praticamente todas as publicações. NMS foi eleito como “O” jogo da E3 2014 por uma série de publicações. Repetiu a bela demonstração em 2015 e 2016 e Murray chamava a atenção de todos com declarações grandiosas e dolorosamente vagas, como a quantidade absurda de planetas na galáxia.
Após anos de promessas dos desenvolvedores e o reforço entusiasmado da mídia, No Man’s Sky foi lançado em meio a grande alvoroço… e o resultado foi incrivelmente decepcionante. O jogo apresentava problemas técnicos terríveis, com travamentos e engasgues e uma performance abaixo da crítica, mesmo em sua versão para PC. Além disso, muitos se viram traídos pela não concretização de várias promessas feitas por Murray nos últimos dois anos: onde estavam as batalhas espaciais entre facções? A possibilidade de encontrar outros jogadores? Os biomas e criaturas colossais vistos nos trailers? Nada disso estava lá e a Hello Games e Murray, antes muito ativos nas redes sociais, haviam se enclausurado sem dar satisfações aos jogadores (atitudes que ainda persistem). Naturalmente, muitos desses fãs se sentiram traídos e enganados, o que começou uma guerra de comentários nervosos no Reddit do jogo, que forçou o seu breve desligamento. Outra consequência do lançamento desastroso foi uma onda de reembolsos oferecidas na Steam e até mesmo no Playstation 4, que não costuma ter essa política. Para piorar, a Hello Games está sendo investigada pelo órgão regulador de propaganda inglês por alegações de marketing enganoso. A comunidade reagiu como pôde, tomando atitudes típicas de quem “xinga muito no Twitter”, como visto na proliferação de vídeos em que são feitas montagens de entrevistas de Murray com suas “mentiras”.
Acredito que o hype seja o resultado de uma cultura que tomou a indústria de assalto: as pré-vendas. Games têm se tornado produtos caros e com um longo tempo de produção e, para garantir o retorno financeiro desde cedo, as distribuidoras procuram garantir vendas antes mesmo que o jogo exista através de pré-vendas. São prometidos uma série de benefícios para os consumidores que fazem a reserva do jogo antes de seu lançamento e a criação do hype é algo com que os acionistas dessas grandes empresas contam para impulsionar os números em um momento em que as análises e a opinião de seus amigos sobre determinado jogo simplesmente não existem ainda. São muitos os críticos à política de pré-vendas na mídia especializada e, como certamente parece, sou um deles.
Como vemos, o resultado do caso No Man’s Sky é ruim para os desenvolvedores, para a distribuidora (embora a Sony tenha procurado desvencilhar-se das críticas com certo sucesso) e, claro, para os jogadores, que recebem um produto muito aquém do que esperavam. Todos esses grupos têm sua parcela de culpa na criação do Hype em torno do jogo e sofreram por isso. Mas um dos principais responsáveis pela expectativa desmedida em torno de NMS pôde escapar ilesa, assumindo uma postura, assim como a da Sony, crítica aos desenvolvedores: a imprensa. Sim, pois somos nós, a imprensa, especializada ou não, os reais influenciadores do que os consumidores do mercado de jogos anseiam como próxima aquisição. Nessa posição, fica o alerta para que sejamos sensatos, pois somos fãs de muita coisa que a indústria já produziu mas não podemos nos dar ao luxo de permitir que esse carinho se transforme em adulação.
Aos produtores e distribuidores fica o apelo para uma coordenação mais próxima de seus departamentos de marketing, que tem como função impulsionar as vendas tornando o produto mais atraente. É claro que os desenvolvedores não possuem muito controle sobre isso, pois são decisões eminentemente corporativas, mas não custa torcer e fazer sua parte por uma indústria mais conscientizada. E, aos jogadores, rogo pelo moderação nas opiniões e no entusiamo sobre games de franquias conhecidas ou desenvolvedores renomados (ou, como no caso específico de No Man’s Sky, quando não há nem um nem o outro). O hype torna a espera por um jogo empolgante (e às vezes a faz parecer interminável), mas no longo prazo é prejudicial ao crédito da indústria, fomentando práticas questionáveis por parte das produtoras, e para a saúde de suas carteiras.
O Hype é uma armadilha de pegar ratos. As vezes colocam algo gostoso pra vc comer nela mas isso não significa que ela não vai fechar em cima de você!
Belo texto Vicente… só li verdades!
Belíssima analogia Leandro! As circunstâncias tornam o hype uma coisa difícil de resistir mesmo. E como acaba camuflado como uma coisa boa, grande parte das pessoas sequer considera evitá-lo. Obrigadão pelo elogio!