Como muitos sabem, nós fomos a E3 neste ano e dias antes do evento estávamos turistando em Los Angeles. Ao entrar no Google Maps, a rua North Hollywood, onde fica o teatro do Oscar e muitos outros, estava pintada com a bandeira do símbolo LGBTQ. E nós pensamos: “nossa que legal! Muitos lugares do mundo estão abraçando a causa contra o preconceito”. Afinal, temos diversos exemplos de cidades que sempre se preparam para a celebração do dia do orgulho gay.
E um exemplo mais recente no mundo dos games foi com a Sony que liberou um tema de console celebrando a data para os donos de Playstation 4 (foto em destaque). Porém, o ato que seria mais um no meio de tantos para celebrar um movimento mais do que legítimo, acabou mostrando o quão tóxica e preconceituosa pode ser uma grande parte da comunidade gamer.
Algo que é muito comum nos dias de hoje, em especial no grupo de videogames, são fóruns ou grupos de Facebook destinados aos consoles e jogos. São lugares que, em teoria, as pessoas podem debater sobre os mais diversos assuntos e focar nos games, opiniões e educação. Mas não é sempre assim que a banda toca. Infelizmente tivemos o desprazer de acompanhar em um grupo de PS4 um show de atrocidades por parte de um grupo de usuários com relação a este tema.
A postagem era muito simples: Sony lança tema celebrando dia do orgulho LGBTQ. Meus amigos e amigas, era só isso. Gostou, gostou. Não gostou, não gostou. Bola pra frente. Porém, o fato impulsionou a fúria de inúmeros membros que, infelizmente, eram homofóbicos e preconceituosos. Lemos atrocidades como “não é assim que está na bíblia”, ou “querem nos empurrar goela abaixo o gayzismo”, o sempre presente “ditadura gayzista” e muitas outras. Mas o que me deixou mais incomodado foi “estão querendo passar para nós e nossas crianças que isso é algo normal”. De longe esse foi o comentário que mais me deu asco e me deixou incomodado. Afinal, ser gay não é ser normal? Além de “impossibilitar a vida na terra” (como eles afirmam), devemos caçá-los com foice e tochas flamejantes? Absurdo!
A ideia era terminar esse texto de indignação por aqui e propor uma reflexão aos leitores de como a luta contra o preconceito é importante e como temos sim que abraçar a bandeira contra a homofobia, racismo, machismo e muitos outros. Que a orientação sexual não muda o fato de que somos todos iguais e capazes de realizar qualquer tarefa, de sermos felizes e vivermos em paz e harmonia. Entretanto, fomos além.
O mencionado grupo PS4 Brasil conta com mais de 100 mil inscritos e ele é mais um em meio a tantos. Paramos para refletir na hora: Como será que é moderar tantos posts e comentários? Como é se posicionar contra ou a favor de certos assuntos? Como lidar com tantas situações “delicadas”?
Para responder essas perguntas e entender um pouco de seu posicionamento, falamos com os administradores do grupo e vocês podem conferir a entrevista abaixo.
1) Como é público e notório a PSN liberou um tema LGBTQ para apoiar a luta contra o preconceito e homofobia. Algo que deveria ser um gesto simples e representativo acabou se tornando um cenário de muita polêmica. Como surgiu a ideia entre os administradores de abordar o tema?
R: Em primeiro lugar, nós, da PS4 Brasil Elite, agradecemos ao pessoal do Última Ficha por esta entrevista. Bom, não imaginávamos que o tema (da PSN) teria essa repercussão. Percebemos que uma maioria interagiu de forma positiva ou neutra; porém, o que nos assustou foram as reações contrárias. Achamos uma tremenda falta de respeito, o que nos levou voltar a abordar o assunto.
2) O mundo do videogame é algo que está em constante mudança e é uma mídia muito jovem. Embora as histórias contadas nos jogos estão cada vez mais modernas e cheia de representatividade, ainda podemos ver que uma parte da comunidade não só não aceita as mudanças do mundo, como faltam com o respeito. Qual é o sentimento de vocês com relação a essa mudança de pensamento? Como, com todos os exemplos que temos em nossos amados jogos, ainda vemos esse tipo de atitude?
R: É lastimável que parte dos jogadores ainda não saibam se portar diante disso. Indignação é a palavra que melhor expressa nosso sentimento quando nos deparamos com isso. Realmente, não era pra termos mais isso hoje, mas infelizmente ainda existe e nós não podemos enfiar a cabeça na terra e não abordar o assunto. As pessoas ainda são criadas e educadas sob um modelo que – ainda – não admite diversidade. Mas temos esperança. Acreditamos que falar sobre isso, debater, é uma forma de naturalizar o assunto. A representatividade hoje nada mais é que uma forma de conscientizar o jogador, fazendo-o perceber que o ser humano possui características únicas até para construção de um personagem que aprofunde mais a história. Nós apoiamos completamente esse trabalho.
3) O grupo hoje conta com mais de cem mil inscritos e esta crescendo cada vez mais. Certamente deve ser um trabalho hercúleo moderar centenas de posts e milhares de comentários. Como vocês conseguem? Ainda mais com um tema delicado como este?
R: É bem verdade que o Facebook não oferece muitos instrumentos para controle de grupos grandes. Neste ponto, ainda deixa muito a desejar. As únicas ferramentas de que dispomos para manter a ordem no grupo é o controle do que vai ser publicado, o “kick” e o “ban”. Na falta de um aparato mais avançado, coisa comum em fóruns mais sofisticados, os ADMs do grupo prezam pelo bom senso para dosar brincadeira com coisa séria. No caso desse tema, que fez emergir uma galera homofóbica, tivemos que intervir para que fosse mantida a ordem. Não podemos aceitar nenhum tipo de preconceito, seja quanto a cor da pele, orientação sexual, o lugar em que nasceu ou vive e etc. Para nós, ADMs, ninguém deve sofrer pelas escolhas que faz ou pelas características inerentes a outros aspectos da sua vida.
4) O ban é uma das armas mais letais e eficientes com relação aos comentários tóxicos. Porém, ele não corta o mal pela raiz e muitos criticam essa ação como um uso de força indevido. Vocês tem algum planejamento para conscientizar os membros que opinião é uma coisa e preconceito é outra?
R: De fato, surgiu essa dúvida: se passaríamos a agir como a “polícia do politicamente correto” e passar a engessar a comunidade. Mas isso não vai acontecer, pois basta que usemos o bom senso e saberemos separar uma coisa da outra. Já O BAN, para nós, é algo que além de servir pra remover do grupo pessoas que não agregam, ainda tem cunho educativo uma vez que acaba intimidando outros usuários com o mesmo comportamento tóxico. Por último, uma pessoa que é banida não consegue apagar suas postagens, o que pode ser útil no futuro caso alguém precise levar alguma coisa à justiça.
5) Como vocês estão recebendo os elogios e as críticas da comunidade?
R: Neste caso específico, as críticas se dividiram em dois tipos: a) “aqui não é assunto pra isso” e b) “este grupo é muito baitola (sic)” . No caso da crítica “a”, respondemos que temos, sim, de abordar o assunto uma vez que toda a polêmica começou dentro da comunidade gamer em torno de um tema para gamers. Já a crítica “b” é descabida e nem merece resposta. Quanto aos elogios, ficamos extremamente felizes de ver que pudemos, naquele dia, representar vários gamers gays que se sentiram representados ali e que nos agradeceram diretamente na postagem ou em nossas caixas postais.
E queremos deixar uma coisa clara, isso foi um exemplo dos muitos outros que acontecem. Os culpados não estão somente no Brasil, mas sim em todos os lugares do mundo. Um grande ataque que acabou acontecendo, foi no twitter oficial da PSN europeia. Lá, os ataques homofóbicos aconteceram com uma intensidade muito maior do que o caso citado aqui nas terras tupiniquins.