
A Double Fine sempre foi conhecida por criar experiências criativas e cheias de personalidade, e Keeper não foge a essa tradição. No novo jogo do estúdio, o jogador assume o controle de um farol vivo, com pernas de aranha, que se move por um mundo surrealista e repleto de simbolismos.
A proposta é tão curiosa quanto intrigante e ao longo desta análise vamos entender melhor o que Keeper entrega em termos de narrativa e jogabilidade, além de discutir se esse estilo inusitado realmente funciona ou se é apenas mais uma ideia excêntrica da Double Fine.
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Uma jornada surrealista
É difícil falar sobre Keeper de forma segmentada, porque sua proposta é, por natureza, bastante abstrata. O jogo da Double Fine pode facilmente ser confundido com um walking simulator, já que não há combates, diálogos ou personagens tradicionais. Tudo gira em torno da jornada.
Aqui, controlamos literalmente um farol (sim, um farol de verdade) que inexplicavelmente ganha pernas e começa a caminhar por um mundo pós-apocalíptico, aparentemente abandonado pelos humanos. Esse cenário devastado é habitado por criaturas estranhas, formadas por restos de metal, pedra e lixo, como se a natureza e a tecnologia tivessem se fundido após o colapso da civilização.
Durante a jornada, o protagonista encontra uma ave misteriosa, que se torna sua companheira de viagem. Essa dupla improvável segue em direção a uma montanha distante, constantemente observada por uma presença sombria que parece representar uma força corrompida ou uma ameaça constante. Quase como um “olho de Sauron” pairando sobre o mundo.

Apesar do potencial simbólico, Keeper é um jogo silencioso, que aposta em narrativa ambiental e metáforas visuais. Cada trecho do caminho apresenta pequenos desafios e puzzles que libertam criaturas ou restauram partes do mundo, sugerindo uma mensagem de reconstrução e reconexão.
A proposta lembra o filme de animação vencedor do Oscar, Flow, onde animais tentam sobreviver em um planeta sem humanos. Assim como no filme, há aqui uma tentativa de transmitir emoções puras — medo, esperança, empatia — sem o uso de palavras. No entanto, diferente de Flow, Keeper não consegue criar uma verdadeira conexão emocional.
Mesmo com um conceito interessante e visuais belíssimos, a jornada acaba soando distante. A simbologia do farol e da ave é rica, mas o surrealismo exagerado impede uma identificação genuína. Entendo a intenção da Double Fine em criar uma experiência contemplativa, mas, para mim, essa emoção nunca se concretiza.

Um espetáculo visual e sonoro surrealista
Se Keeper não chega a emocionar pela narrativa, é na parte técnica que ele realmente brilha. O jogo é um deslumbre visual do início ao fim. Cada cena poderia facilmente ser colocada em exposição em um museu dedicado ao surrealismo. E isso não é coincidência: o diretor se inspirou diretamente em artistas como Salvador Dalí e Max Ernst, cujas obras exploram formas distorcidas e mundos oníricos.
O resultado é um mundo que parece moldado à mão, com texturas que lembram argila e movimentos que lembram uma inspiração no estilo stop motion. Essa estética dá ao jogo uma identidade própria, reforçada pela dualidade constante entre luz e escuridão. Como o protagonista é um farol vivo, a luz se torna uma ferramenta essencial para interagir com o ambiente — ao iluminar áreas específicas, flores desabrocham, cavernas ganham vida e o mundo parece se regenerar à sua passagem.
Essa dinâmica cria uma jogabilidade simples, mas simbólica: a luz é literalmente o instrumento de reconstrução. Mesmo que as mecânicas não evoluam muito ao longo da jornada, elas cumprem o papel de dar ritmo e propósito à exploração.


Complementando essa direção artística impressionante, a trilha sonora é outro ponto de destaque. Como o jogo não tem falas, o som é o que conduz as emoções. Cada região tem uma ambientação musical própria, variando entre tons melancólicos, tensos ou suaves, dependendo da atmosfera e do uso das cores em cena. Em áreas mais vivas e coloridas, há composições leves, quase reconfortantes; já em regiões sombrias, a música ganha peso e melancolia, reforçando a sensação de isolamento.
As faixas não são exatamente memoráveis (dificilmente alguém vai sair cantarolando uma melodia de Keeper), mas cumprem com maestria o papel de sustentar a imersão emocional e estética da experiência.

Jogabilidade simples, mas com boas ideias
Em termos de jogabilidade, Keeper segue o caminho esperado de um walking simulator, com foco muito maior na experiência visual e sensorial do que no desafio em si. A estrutura é simples: com o analógico esquerdo, o jogador controla o movimento do farol (o protagonista), enquanto o analógico direito direciona o feixe de luz. Já o gatilho direito é usado para intensificar o foco dessa luz, elemento central para resolver os pequenos desafios espalhados pelo mundo.
Grande parte da progressão se resume a iluminar caminhos, ativar estruturas e desbloquear portas. É uma mecânica direta, intuitiva, mas que, com o tempo, acaba se tornando repetitiva. Ainda assim, o jogo tenta introduzir pequenas variações ao longo da jornada, principalmente com o auxílio da ave companheira, que adiciona momentos pontuais de interação.
O pássaro é essencial em alguns puzzles ambientais, seja fazendo peso em plataformas, acionando manivelas ou interagindo com mecanismos que exigem movimentação sincronizada entre o jogador e o aliado. Essas seções ajudam a dar um respiro à exploração, mesmo que as soluções sejam sempre bastante óbvias.


Há também algumas mecânicas únicas em momentos específicos da campanha, como a habilidade de pular e planar em uma das áreas mais coloridas, ou a possibilidade de avançar e retroceder o tempo em outra cidade. São ideias interessantes que quebram a monotonia e mostram a criatividade da Double Fine em buscar novas formas de expressar a temática do jogo.
No entanto, o que poderia ser um ponto forte acaba limitado pela linearidade extrema. As fases seguem um único caminho, sem margem para exploração ou experimentação. Os puzzles, apesar de variados, não oferecem real desafio, já que as pistas estão sempre muito explícitas. No fim, Keeper entrega uma jogabilidade agradável, mas previsível.

Keeper vale a pena?
Keeper é um jogo que certamente vai dividir opiniões, e muito disso depende do momento e da expectativa de quem joga. A Double Fine entrega aqui uma experiência visualmente impressionante, com um trabalho técnico e artístico de alto nível, digno de ser apreciado quadro a quadro. O visual surrealista, as cores, o uso da luz e a ambientação fazem do jogo uma experiência estética memorável.
No entanto, o que falta a Keeper é justamente o que o tornaria algo mais do que uma bela obra contemplativa. A narrativa é simbólica e tem boas intenções, mas a escolha por personagens abstratos — um farol e uma ave — acaba criando uma barreira entre o jogador e o que o jogo tenta transmitir. A emoção existe, mas não chega ao jogador com força suficiente.
O gameplay, por sua vez, cumpre o papel de sustentar a jornada, mas sem brilho. Ele é funcional, fluido e sem falhas técnicas, porém também carece de profundidade e desafio, o que pode fazer a experiência parecer rasa após algum tempo.
No fim, Keeper é um jogo belo, curioso e artisticamente valioso, mas que não alcança o mesmo impacto emocional que pretende. É uma boa experiência para quem aprecia jogos contemplativos e quer conhecer algo fora do comum, mas talvez decepcione quem busca envolvimento narrativo ou mecânico mais forte.
Essa análise de Keeper segue nossas diretrizes internas. Clique aqui e confira nosso processo de avaliação.
Entre o surreal e o vazio emocional
Visual, ambientação e gráficos - 8.5
Jogabilidade - 6
Diversão - 5.5
Áudio e trilha-sonora - 7.5
História - 5.5
6.6
Mediano
The Keeper é um jogo visualmente impressionante, com uma direção de arte que beira o surrealismo e mostra o cuidado artístico característico da Double Fine. No entanto, por mais belo que seja, a experiência acaba carecendo de profundidade emocional. A história é simbólica e cheia de metáforas, mas não consegue criar uma conexão real com o jogador, e o gameplay, embora funcional, é linear e previsível. O resultado é um jogo que fascina pelos olhos, mas que dificilmente ficará na memória por sua jornada.





