
A gente finalmente teve a chance de jogar a versão final de AILA, o novo projeto do estúdio brasileiro Pulsatrix desenvolvido em conjunto com o criador de conteúdo MaxMRM (Diretor Criativo). Antes disso, já tínhamos experimentado o jogo em duas ocasiões: primeiro na Gamescom Latam, onde trouxemos um preview inicial direto do evento, e depois aqui mesmo no site, com impressões mais completas das primeiras três horas. Agora, com o jogo concluído (uma campanha que leva por volta de 10 horas) conseguimos entender melhor o que AILA realmente entrega.
Com essa experiência completa em mãos, chega o momento de analisar se AILA não apenas mantém o que já era promissor nos previews, mas também se consegue expandir a fórmula que fez Fobia – St. Dinfna Hotel chamar tanta atenção no passado. E, principalmente, se o jogo como um todo se sustenta do início ao fim.
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AILA e sua história nada tradicional
Como já tínhamos destacado nos dois previews anteriores, AILA trabalha sua narrativa em duas camadas distintas. A primeira é mais superficial e funciona como ponto de partida: Samuel, o protagonista, é um beta-tester contratado para experimentar uma nova tecnologia de realidade virtual chamada AILA. A função desse sistema é criar experiências personalizadas de terror, moldadas para cada usuário. É dentro desse contexto que o jogo apresenta seus diferentes cenários e “simulações”.
Essas simulações compõem a primeira metade da estrutura narrativa e são totalmente variadas. O jogador passa por uma floresta, por um navio pirata, por uma área que remete diretamente a Resident Evil 7 Village, e até por uma experiência com inspiração evidente em P.T.. Cada fase tem identidade própria e, isoladamente, elas não parecem dizer muito sobre a história como um todo sendo esta, uma escolha proposital.
O verdadeiro ponto de interesse está na segunda camada: a relação entre Samuel e a própria AILA. Conforme o protagonista avança pelas diferentes simulações, fica claro que a inteligência artificial não está apenas criando cenários de terror; ela está acessando memórias, traumas e elementos íntimos da vida dele, de um jeito quase literal. Aos poucos, o jogo mistura a realidade com o virtual, a ponto de o jogador (assim como Samuel) não saber exatamente onde termina a simulação e onde começa o mundo real. Isso, a certo nível, lembra o que vimos no filme Matrix.




Essa evolução é o que realmente amarra a narrativa e dá sentido às fases que, num primeiro momento, parecem desconexas. A história passada de Samuel, até então completamente desconhecida, começa a se revelar e passa a influenciar diretamente o design das experiências dentro do jogo. Do mesmo modo, o próprio propósito da AILA, sua origem e até suas intenções com Samuel ganham forma conforme a campanha avança.
Essa construção leva a um final que, sem entrar em spoilers, funciona muito bem e amarra com coerência o que o jogo desenvolve ao longo de cerca de 10 horas. É um encerramento que faz sentido dentro da proposta e que mantém o jogador envolvido do início ao fim, especialmente pela forma como o AILA brinca com percepção, controle e identidade.

Ambientação e trilha sonora fabulosa
No nosso preview, já tínhamos apontado que AILA apresentava uma direção artística bastante sólida, mas ainda acompanhada de alguns bugs visuais típicos de uma versão não finalizada. Agora, com o jogo completo, dá para afirmar com tranquilidade que a ambientação é um dos grandes destaques da experiência.
Cada fase traz um cenário totalmente diferente do anterior, e essa variedade não é apenas estética — ela é tratada com cuidado. A qualidade visual dos ambientes impressiona: seja em um trecho medieval, em um navio fantasma ou em áreas inspiradas diretamente em outros jogos de terror, tudo é construído com nível de detalhe que incentiva o jogador a parar e observar. Em vários momentos, me peguei analisando objetos, roupas e elementos de cenário simplesmente porque eles chamavam atenção pela qualidade.
A trilha sonora e o design de som acompanham esse mesmo nível. A dublagem de Samuel, da própria AILA e dos personagens que surgem dentro das simulações é um dos pontos altos, transmitindo emoção e ajudando a carregar o peso psicológico da história. Já a música varia conforme o tema de cada fase, o que ajuda bastante na imersão. Por exemplo, uma trilha de pirata não soa nada parecida com uma composição medieval, e isso funciona muito bem. As músicas de chefes também merecem destaque, com aquele tom mais épico que eleva os momentos de tensão.
Mas é justamente aqui, na parte visual, que surgem alguns dos problemas mais sérios da versão que jogamos. Vale reforçar: finalizei AILA dois a três dias antes do lançamento oficial, e o jogo ainda apresentava muitos bugs, mesmo após melhorias significativas em relação ao preview. Recebemos, inclusive, uma lista extensa de correções planejadas para atualizações futuras que ficou evidente durante a jogatina.

Entre os problemas mais perceptíveis, estão iluminação e sombras inconsistentes, clipping frequente (personagens atravessando portas e objetos), animações desalinhadas e texturas que claramente precisam de revisão. Em alguns momentos, personagens encostam um no outro e os modelos simplesmente se atravessam, o que quebra um pouco da imersão. É aquele tipo de polimento final que ainda não aconteceu.
Outro ponto a ser mencionado é a ausência de alguns recursos visuais que estavam presentes no preview, como o Frame Generation da NVIDIA. Jogando com uma RTX 4070 Super, esse recurso fez falta, já que estava disponível anteriormente e não apareceu na build semifinal.
Por tudo isso, a sensação é que o jogo, visualmente, ainda está mais próximo de um estado beta do que de uma versão totalmente finalizada. Torço para que o lançamento já traga uma atualização robusta — ou, no mínimo, que esses ajustes apareçam rapidamente após o dia 1 — porque a base visual e artística do jogo é muito boa e merece esse acabamento.

Performance é um ponto fraco de AILA
Falando de performance, minha experiência com AILA acabou reforçando a teoria que o jogo ainda não está tecnicamente polido. Testei a versão de análise no meu PC que conta com uma RTX 4070 Super, Ryzen 5800X, 32 GB de RAM jogando na resolução 2K e, sinceramente, não notei melhorias relevantes em relação às builds anteriores.
Mesmo ajustando as configurações, a performance não se mostrou estável. Com tudo no alto e usando DLSS em modo Balanceado, o jogo oscilava entre 45 e 60 FPS, variando bastante conforme o ambiente. Só que essa variação não seguia a lógica comum: ambientes fechados nem sempre entregavam mais performance, enquanto áreas simples, às vezes, derrubavam o frame rate sem muita explicação. É aquele tipo de comportamento que geralmente indica falta de otimização ou sistemas trabalhando de maneira inconsistente no backend.
A ausência do Frame Generation, que estava disponível no preview e não apareceu nessa build final enviada para análise, também impacta bastante. Considerando meu hardware, o recurso elevaria tranquilamente os 45–50 FPS para algo perto dos 100 FPS, oferecendo uma fluidez mais adequada ao estilo do jogo. Já foi confirmado pelos desenvolvedores que esse recurso será implementado no jogo final.
Outro ponto que incomoda são os stutters. Não chega a ser um stutter constante, mas é aquele clássico travamento rápido quando o jogo está carregando algo quando passamos em pontos específicos (traversal stutters). Mesmo com compilação de shaders aparecendo logo na abertura do jogo, o problema persiste. Não é o tipo de stutter que quebra completamente a experiência, mas é notável o suficiente para incomodar.
Somados à performance instável, há também os problemas visuais já citados: iluminação inconsistente, sombras estranhas, clipping e alguns artefatos que reforçam a sensação de que o jogo ainda precisa de um polimento técnico mais profundo.
É impossível afirmar se no dia do lançamento esses problemas estaão resolvidos, mas é algo que sou obrigado a pontuar, ainda mais porque joguei nessa build que carece desse polimento.

Gameplay com altos e baixos
O gameplay de AILA segue exatamente a lógica que já havia aparecido nos previews. Nas primeiras horas, o jogo apresenta duas experiências bem distintas: um corredor fechado no estilo PT, focado em puzzle e tensão psicológica, e logo depois uma fase muito mais tradicional, claramente influenciada por Resident Evil 7: Village, com exploração, combate e uso de armas. Essa mistura estabelece a base do que ele tenta fazer: pegar elementos clássicos do survival horror e reinterpretar isso em diferentes ambientações.
Só que, quando você avança para o jogo completo, fica claro que o combate não acompanhou o restante da evolução do projeto. No meu preview eu já tinha comentado sobre o a falta do peso das armas e isso se mantém na versão final. A sensação de tiro é leve demais, sem impacto, algo que também foi criticado em Fobia, o jogo anterior da Pulsatrix. Você equipa, atira, recarrega… mas nada transmite realmente força ou peso, o que afeta diretamente o envolvimento nas batalhas.
Outro ponto é que, independentemente da fase, o arsenal acaba sendo praticamente o mesmo. Tirando o primeiro mundo, você sempre vai ter armas muito similares como uma arma branca, uma pistola e uma escopeta.
Aqui e ali surge algo diferente, como um rifle de precisão em uma das últimas fases ou uma besta no mundo medieval (assim como outras armas brancas), mas a estrutura se repete. Existem variações de tempo de recarga — o que faz sentido quando você pega, por exemplo, uma arma de época — mas, no geral, tudo funciona dentro do mesmo molde.
O problema é que, mesmo com essa variedade aparente, o combate como um todo não empolga, e isso vale tanto para armas de fogo quanto para armas brancas. Os inimigos têm animações e comportamentos muito parecidos entre si. Não importa se você está enfrentando um alienígena, um “zumbi” de outra fase ou qualquer outro monstro com tema próprio: quase todos compartilham o mesmo padrão de perseguição e ataque. Existem versões maiores, com mais vida, mas não há realmente profundidade ou variação tática.



Os chefes seguem esse mesmo caminho. A trilha sonora ajuda bastante a construir o momento mas, na prática, a maioria das batalhas se resolve simplesmente circulando pela arena e atacando quando dá. Quando esse padrão fica claro, o impacto desses encontros cai bastante.
Por outro lado, o jogo acerta muito nos quebra-cabeças. AILA brinca com ideias de perspectiva, espaços que se transformam, ambientes desconfortáveis e pequenas intervenções dentro da casa do próprio Samuel. É nesse ponto que a experiência realmente brilha, usando bem o conceito de realidades desconexas e da IA manipulando a percepção do protagonista. Em termos de ambientação e construção de puzzles, há ótimos momentos.
No fim, o gameplay funciona melhor quando foca na exploração, na ambientação e nos puzzles que são as áreas onde o jogo realmente mostra criatividade. O combate, porém, acaba sendo o elo mais fraco, sem um impacto que combine com o restante da experiência.

AILA vale a pena?
AILA é um daqueles jogos que, mesmo com falhas evidentes, deixa uma marca profunda. Depois de terminar a campanha saí com a sensação de que a Pulsatrix ousou ir além do convencional. A narrativa surpreende pela forma como trabalha o terror psicológico, explorando memórias, culpa e identidade de um jeito que realmente pega o jogador desprevenido. Os finais reforçam essa ousadia, e é impossível não reconhecer a coragem do Max e da equipe em levar a história a lugares inesperados.
O jogo brilha em diversos aspectos: o design de fases é criativo e coeso, a trilha sonora acompanha bem o clima de tensão, os puzzles são inteligentes e variados, e a ambientação se destaca pela diversidade de mundos e pela maneira como cada um reforça a sensação de estar preso em uma mente fragmentada.
Por outro lado, dois problemas pesam bastante na experiência: o combate, que não evolui e se mantém repetitivo do início ao fim — tanto contra inimigos comuns quanto contra chefes — e a falta de polimento, com bugs e inconsistências que deixam claro que AILA ainda não está no seu estado ideal. Mesmo apreciando o jogo, não dá para ignorar que ele precisa de ajustes para realmente brilhar.
Ainda assim, AILA consegue ser um jogo acima da média, e deixa aquele gosto de “quase incrível”. É impossível não pensar no potencial gigante por trás desse projeto e imaginar o impacto de uma versão totalmente refinada. No fim das contas, fica a sensação de orgulho por ver um jogo brasileiro chegar tão perto de algo extraordinário e a expectativa de que futuras atualizações possam levar AILA exatamente para esse patamar.
Essa análise de AILA segue nossas diretrizes internas. Clique aqui e confira nosso processo de avaliação.
AILA brilha, mesmo tropeçando
Visual, ambientação e gráficos - 8.5
Jogabilidade - 7
Diversão - 8
Áudio e trilha-sonora - 8.5
Polimento - 6
7.6
Bom
AILA impressiona pela criatividade e pela coragem de suas escolhas narrativas, entregando momentos memoráveis e uma ambientação singular. Porém, a repetição do combate e o evidente déficit de polimento técnico impedem que o jogo alcance todo seu potencial. Mesmo assim, é um título brasileiro que merece atenção.





