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Análise: Resident Evil Bem-Vindo a Raccoon City erra na própria ambição

Há décadas produtoras e diretores Hollywoodianos tentaram adaptar videogames para as telas de cinema. Entre alguns poucos casos de sucesso e muitos (muitos mesmo) fracassos, me admira que profissionais da indústria ainda não tenham acumulado a experiência necessária para vencer essa estranha barreira que separa Cinema e games. Entre tantos desafios, sem dúvida o Tendão de Aquiles dessas adaptações é o quão fiel ou não ao material original esses filmes devem ser. O novo filme (e reboot) de Resident Evil, chamado Bem-Vindo a Raccoon City, é uma obra de coração e alma de Resident Evil. Porém, é também mais um caso emblemático em que a fronteira entre o que é Cinema e a simples bajulação de fãs (fan-service) é completamente desrespeitada e o filme acaba sendo, na verdade, um raso e incompetente apanhado de tudo que se vê nos games originais.

Resident Evil: Bem-Vindo a Raccoon City inicia como no game Resident Evil 2 (RE2): Claire Redfield (Kaya Scodelario) retorna à cidade do título, Raccoon City, para tentar ajudar seu irmão Chris Redfield (Robbie Amell) porque ela parece saber de algo errado acontecendo na cidade. Ao mesmo tempo, Leon Kennedy (Avan Jogia) e os policiais do departamento de polícia local vão até a Mansão Spencer (sim aquela do primeiro jogo) atrás de colegas de trabalho que estão desaparecidos. Inicialmente, o filme parte de uma boa decisão de roteiro: usar como essência os dois primeiros games da franquia juntos, dando material suficiente para preencher um longa-metragem de quase duas horas.

Mas o resultado final não é o que se espera.

Para os fãs da franquia, a primeira metade do filme é um deleite. Desde Clarie chegando na cidade de carona com um caminhoneiro glutão (sim, aquele do RE2), os corvos, os cachorros, o primeiro zumbi na tela até a própria Raccoon City como um todo, fica tudo muito claro e familiar para os fãs da série de que estamos dentro de um Resident Evil. Tudo isso é bem amarrado por um clima bem introduzido de suspense e tensão, mostrando a princípio uma boa direção e direção de arte da produção que consegue de forma competente criar uma cidade amedrontadora, um rítmo cadenciado e uma dose certa de mistério no ar.

Claire Redfield (Kaya Scodelario)

Por outro lado, conforme o filme progride, logo vemos não existe uma ambientação sólida, além de uma rápida frase na abertura do filme. Nela, sabemos apenas que a Umbrella Corp, uma farmaceutica multibilionária instalada na cidade, está deixando Raccoon City e, com isso toda a prosperidade local está indo pelo ralo. Sem uma profundidade no contexto do que exatamente a Umbrella é e/ou quer, a audiência não-fã é deixada ao acaso e fica totalmente perdida quando, de repente, a cidade está trancada pelo exército particular da Umbrella e tomada por zumbis. O máximo que sabemos, de forma bem rasa, é que o vírus é resultado de um vírus da própria farmaceutica. Para piorar, a tensão e o suspense criados nos primeiros vinte minutos caem por terra a partir do encontro entre os irmãos Claire e Chris Redfield.

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A partir deste ponto, o filme consegue seguir por um caminho penoso e sem volta. Os escritores Johannes Roberts (também diretor) e Greg Russo parecem ter levado a sério demais a estratégia comercial de se dedicar aos primerios minutos de filme para captar a audiência e parece que esqueceram todo o resto da obra. Após a aparição de Chris, o filme deixa de lado o suspense e parte para o gênero de terror de sustos misturado com ação, que não seria um problema por si só, mas a limitação e repetição de sustos bobos, as sequências de ação confusas, o uso recorrente de diálogos explicativos e, podem me crucificar, o excesso de referências dos games torna tudo um fiasco.

Policiais no café

O diretor Johannes Roberts, um fã declarado da série, quis desde a pré-produção deste reboot fazer um Resident Evil de terror e mais próximo dos games originais se distanciando, dessa forma, da ação desmiolada (e nada parecida com os jogos) dos filmes da era da atriz Milla Jovovich. O que em um primeiro momento foi algo positivo e muito comemorado pela comunidade de fãs e do Cinema, acabou sendo um tiro no pé ao vermos na tela que o filme deixa de lado o fato de ser um filme para entregar apenas pedaços dos games com o propósito único e simples de ser um fan-service.

No meio de dezenas de referências aos games, o desenvolvimento da trama, dos personagens e da própria ação ficou em segundo plano.

Esse problema é tamanho que até mesmo a atuação do elenco deixou a desejar, o que não é muito difícil de acontecer em situações como essa. Entre diálogos enfadonhos, recortes dos games, sequências de terror e susto repetititvas que te faz virar os olhos para cima na terceira vez (e que se repetem mais e mais) e sequências de ação que você mal consegue discernir quem está sendo atacado por zumbis e/ou revidando, não é surpresa que o elenco não consiga dar alma aos personagens icônicos da franquia. A exceção fica, pasmem, com o coadjuvante Chief Irons (Donal Logue) e o segundo protagonista, Leon Kennedy.

Mansão Spencer

Todavia, não há muito o que comemorar sobre Leon, pois apesar de Avan Jogia interpretar Leon Kennedy do filme com alma e toda dedicação profissional possível, é justamente este personagem quem mais vai pirar a cabeça dos fãs. Escritores e diretor escolheram Leon para ser uma espécie de alívio cômico (mal escrito, vale lembrar) do protagonismo duplo que desempenha junto de Claire Redfield, que aqui é carrancuda, amarga e inexpressiva (tanto personagem quanto atriz). Com isso, temos um Leon que, apesar do esforço do ator, soa tosco, burro e chato, e que, além de não nos fazer rir, ainda empaca o andamento da trama. O máximo que seu arco nos oferece de riso é uma cena de quase morte que o desperta para, de repente, virar um bad boy que atira sem dó em quase tudo que se mexe… Sim, a piada é justamente o quão cliché é a cena.

Se você não é fã de carteirinha de Resident Evil, você simplesmente não vai se importar com ninguém.

Para piorar, o que inicialmente parecia uma boa ideia – adaptar mais de um jogo para as telas, começa a se degringolar completamente a partir do meio do filme, quando mais coisas de outros títulos da série de games caem de para-quedas no filme. Por exemplo, Lisa Trevor, uma personagem interessantíssima dos games, está no filme simplesmente para nada. E aqui digo nada mesmo, pois nem para agradar os fãs ela serve, pois apesar de estar lá para tentar dar alguma dramaticidade ao passado de Claire Redfield, acaba apenas como um peso de papel já que seu desenvolvimento beira o zero absoluto.

Apesar de não gostar em nada como o diretor Paul Anderson tocou a produção e direção dos Resident Evil da era da Milla Jovovich, ele tinha um fio condutor claro para o que fazia e, dentro de seu próprio universo, toda aquela loucura fazia certo sentido. O mesmo não se pode dizer desta adaptação que, apesar de ter começado com coração e a essência de Resident Evil na cabeça acaba fazendo nada de bom com isso, pelo contrário, desperdiça uma chance incrível de começar um Resident Evil sólido nas telonas.

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Leon Kennedy (Avan Jogia)

Enfim…

No meio de uma salada mista de dezenas de personagens cujas histórias renderiam obras inteiras, o filme Resident Evil: Bem-vindo a Raccon City é, no máximo, um compiladão de cenas recortadas dos jogos, reencenadas na tela de forma confusa e conectadas de um jeito incompetente por um roteiro de Sessão da Tarde. Tudo isso executado por profissionais que decidiram deixar de lado o fato de que estão fazendo Cinema e não um remake de video-game. Tudo soa como uma jogada comercial para agradar fãs e, dessa forma, tentar manter seus empregos por mais alguns anos. O resultado, apesar de claramente ser um Resident Evil, é apenas um vilão metamorfoseado por T-Vírus, cujo o único propósito é matar tudo que vê pela frente, inclusive a diversão.

Tinha tudo para ser bom, mas...

Nota Final - 4

4

Ruim

O resultado, apesar de claramente ser um Resident Evil, é apenas um vilão metamorfoseado por T-Vírus, cujo o único propósito é matar tudo que vê pela frente, inclusive a diversão.

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Bernardo Cortez

Formado em Relações Internacionais, Bernardo aproveitou o dom de escrever para algo útil. Músico, viajante, cronista e amante de qualquer coisa que seja relacionada a jogos, seu sonho é ser jornalista na área. Tem um carinho especial por jogos que tragam o melhor de todas as formas de arte que os englobam.

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