Análise: Dispatch
Entre heróis, vilões e escolhas que dizem mais do que parecem

Depois de termos publicado nosso preview de Dispatch, onde analisamos os dois primeiros capítulos e destacamos como a proposta narrativa chamava atenção logo de cara, agora finalmente tivemos acesso ao jogo completo. Com isso, podemos responder à pergunta mais importante: aquelas primeiras impressões, que já eram bem positivas, realmente se sustentam ao longo de toda a experiência?
A resposta é simples: sim! Jogando todos os capítulos, fica claro que a AdHoc Studio não só entregou o que havia prometido, como ampliou tudo o que já havia funcionado na prévia. Dispatch é, sem exagero, uma obra de destaque quando falamos de narrativa e desenvolvimento de personagens e é uma das melhores experiências narrativas de 2025.
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História
No preview, nós já tínhamos destacado que Dispatch parecia um jogo com uma história acima da média com personagens convincentes, diálogos fortes e uma dublagem que realmente chamava atenção. Agora, com os oito capítulos completos, dá para afirmar com segurança: tudo isso não só se mantém, como cresce muito.
A narrativa te prende de um jeito quase imediato. Eu praticamente joguei do início ao fim querendo ver onde a trama levaria cada personagem, e esse é um mérito claro da escrita da AdHoc Studio. A história segue a linha que já comentamos na prévia: Robert, antes conhecido como Mecha-Man, perde sua armadura e acaba deslocado para um papel completamente diferente — agora, sentado atrás de um computador, guiando uma equipe experimental de “heróis”. Só que, como o jogo mesmo faz questão de reforçar, eles são tudo menos heróis. É um grupo de vilões operando sob supervisão, e isso gera algumas das melhores dinâmicas da história.
O ponto alto está no desenvolvimento dos personagens. Todos eles têm personalidade forte, nuances, inseguranças e conflitos, o que torna muito fácil se importar com cada um. E aqui entra um dos componentes mais interessantes: as escolhas não são apenas estéticas. Em momentos específicos, você precisa cortar alguém da equipe ou trazer um novo membro, e isso muda completamente como o grupo reage: surgem atritos, provocações, bullying, alianças improváveis e até comentários ocasionais durante as missões. A sensação é de estar vivendo uma série, mas com o roteiro se moldando ao seu comportamento.


Também vale destacar a própria jornada de Robert, que funciona como um paralelo muito claro ao restante da equipe. Ele tenta reconstruir sua identidade depois de perder tudo que o definia como “herói”, enquanto os vilões ao seu redor lidam com seus próprios traumas e contradições. Essa intersecção rende momentos muito bons e diálogos que realmente fazem a história avançar.
E sim, as comparações com Invencível e The Boys são inevitáveis — tanto pelo tipo de superpoderes e pela forma como o jogo desconstrói o conceito de herói, quanto pelo estilo visual e pelo tom geral da narrativa. Dispatch conversa com essas obras, mas não copia onde usa essa base para criar sua própria identidade.
Por fim, a personagem que mais se destaca é a Invisi-Girl (garota invisível), que funciona quase como uma segunda protagonista. Ela é complexa, cheia de camadas e tem alguns dos momentos mais fortes da história. É o tipo de personagem que você tenta entender, se aproxima, se afasta, repensa… e tudo isso surge naturalmente, sem forçar.
A conclusão da campanha acompanha esse ritmo, entregando um final coerente, satisfatório e que fecha bem o arco dos personagens. No fim das contas, dá para dizer tranquilamente: Dispatch tem uma das melhores histórias de 2025, não apenas dentro dos videogames, mas ao lado de qualquer produção audiovisual desse ano.

Gameplay
Assim como já tinha adiantado no nosso preview, Dispatch segue um caminho próprio quando o assunto é gameplay e isso continua sendo um dos diferenciais mais marcantes da experiência completa. Diferente do que vemos nos jogos tradicionais da Telltale, aqui você não controla o personagem diretamente. E, sinceramente, isso não é uma limitação; é uma escolha de design que faz sentido. A ideia é que a história flua como uma série interativa, onde suas decisões moldam o ritmo sem aquela “falsa sensação” de controle que muitos jogos narrativos entregam quando você fica andando de um lado para o outro só para apertar um botão.
Dispatch evita essa burocracia e te coloca direto na ação. A narrativa anda o tempo todo, e suas escolhas têm peso imediato. Mas o gameplay não vive só dessas decisões. Os minigames entram para dar ritmo, variedade e criar uma camada estratégica que não estava tão clara só nos primeiros capítulos do preview.
Em vários momentos do dia, Robert senta na sua mesa, abre o painel da equipe e começa a coordenar heróis e vilões pela cidade. Esse minigame de despacho é muito mais envolvente do que parece à primeira vista. Cada missão exige o agente ideal, e conforme eles evoluem, ganham novos pontos, melhoram atributos e até mudam de humor conforme o sucesso ou fracasso das operações. Não é só mandar alguém e esperar resultado; existe uma lógica estratégica real que se aprofunda capítulo a capítulo.

Conforme a história avança pelos oito capítulos, a complexidade aumenta. Crises surgem, o tempo fica mais apertado, as consequências são maiores e você inevitavelmente precisa priorizar o que dá para resolver. Alguns eventos oferecem bônus extras se você atingir metas específicas e outros punem automaticamente se você encostar nessa “meta de falha”. Essa sensação de pressão crescente combina muito bem com o clima do jogo.
Já os minigames de hacking, que no começo parecem bem básicos, ganham variedade conforme a trama avança. O que era apenas buscar um código se transforma em abrir caminhos, driblar uma espécie de antivírus e até coordenar riscos como se estivesse lidando com “choques elétricos” para liberar rotas. A base é simples, mas a execução evolui num ritmo bom, sempre reforçando a sensação de urgência.
No fim das contas, Dispatch utiliza um sistema de gameplay que não tenta parecer mais complexo do que é e ele evolui organicamente, mantém o foco no que funciona e cria uma experiência mais refinada e ousada do que vemos na maioria dos jogos narrativos. É um gameplay que acompanha a história, e não o contrário, e isso faz toda a diferença.

Onde Dispatch não alcança o seu máximo
Apesar de tudo que já destaquei até aqui existem dois pontos que merecem atenção. Eles não comprometem o jogo, mas influenciam de forma diferente dependendo de quem está jogando. No meu caso, não foram questões que estragaram a experiência, porém entendo completamente quem sentir falta de algo mais.
A primeira crítica diz respeito à falta de punição mecânica. Em muitos jogos focados em escolhas, falhar numa decisão pode levar à morte de um personagem, a uma mudança drástica no rumo da história ou até a um simples game over. Em Dispatch isso não existe. Todo o sistema de envio dos vilões para resolver crises pela cidade, que parece complexo no início, funciona mais como um grande treinamento para o capítulo final. Lá, quando a cidade entra em caos, você precisa usar sua equipe para enfrentar a facção rival. E apenas isso…
Se você cuidou bem da sua equipe ao longo dos capítulos, terá personagens mais fortes e a situação final fica menos complicada. Mas mesmo que você tenha ido mal, ainda vai chegar no mesmo ponto e terá a mesma chance de concluir a história. A diferença prática é só o quanto esse momento vai te exigir. Para alguns jogadores, isso pode soar como uma falta de consequência real, uma ausência de risco. Dispatch é um jogo muito mais interessado na narrativa do que em “punir” o jogador, e isso pode deixar um vazio para quem buscava um impacto maior das suas decisões no fluxo do gameplay.
A segunda crítica é justamente sobre essa narrativa. Enquanto jogava Dispatch, conversei semanalmente com outros jogadores (tanto colegas da imprensa quanto amigos) e algo chamou a atenção de todos: a história vai, inevitavelmente, para o mesmo lugar. As escolhas mudam diálogos, reações e pequenas nuances, mas não alteram o curso geral dos acontecimentos.

Um exemplo simples, sem spoilers: em determinado momento você pode escolher revelar ou não sua antiga identidade de Mecha Man. Se guarda o segredo, um personagem te recebe bem em uma festa e tudo segue normalmente. Caso você revele, ele fica irritado, chega a te dar um soco na mesma festa… mas logo depois respira fundo, aceita a situação e a cena continua praticamente igual. Essa lógica se repete ao longo de todo o jogo.
As reações mudam, os personagens se comportam de maneiras diferentes, mas a história essencial é a mesma, inclusive o final. Dispatch oferece quatro variações de conclusão, mas elas giram em torno de quem confronta o vilão e de qual rota amorosa você escolheu. O arco do Robert e o desfecho da trama como um todo permanecem iguais para todos.
Existe fator replay? Sim, especialmente porque o jogo dura entre sete e oito horas e é curto o suficiente para experimentar outras combinações de escolhas. Porém, não espere algo no estilo Telltale ou Supermassive Games, onde o destino de vários personagens pode mudar drasticamente. Aqui, o impacto das suas decisões é muito mais emocional do que estrutural.
Esse é o tipo de crítica que não diminui a qualidade da escrita (que continua brilhante) mas que deixa aquela sensação de “poderia ir além”. Dispatch entrega diálogos excelentes, personagens complexos e reações muito bem construídas… só não deixa o jogador realmente mexer na fundação da história.

Conclusão
Assim como já tinha comentado no nosso preview, e agora com a experiência completa, posso dizer sem medo: Dispatch é maravilhoso. Tudo o que funcionava bem nos dois primeiros capítulos continua brilhando aqui. A atuação é ótima, a dublagem é excelente e a forma como o jogo reage em tempo real às suas escolhas é impressionante. Mesmo sabendo das limitações narrativas que comentei antes, a experiência passa a sensação constante de que o jogo está moldando cada momento ao que você decide.
E esse pacote todo é acompanhado por um visual muito bem trabalhado, animações de alta qualidade e uma direção artística que casa perfeitamente com a proposta. Dispatch tem aquele tipo de impacto que te faz querer comentar a história com outras pessoas e foi exatamente o que aconteceu comigo. Comparar escolhas, reações e os caminhos que cada um trilhou foi parte essencial da experiência.
Mas vale reforçar um ponto importante: o que impede Dispatch de ser perfeito não é a história em si, mas o alcance que ela poderia ter. Suas escolhas geram mudanças, sim, só que essas mudanças são muito mais superficiais do que profundas. A narrativa tende a ir para o mesmo lugar para todos, e o gameplay quase não pune o jogador por decisões ruins. O máximo que acontece é o embate final ficar mais fácil ou mais difícil, e numa situação extrema você pode até não conseguir avançar.
Apesar disso, nada aqui tira o brilho da experiência. Dispatch é fantástico no que se propõe e entrega uma história de super-heróis com nuances, conflitos e personalidade. Para quem gosta desse tipo de narrativa, com dilemas internos, escolhas e personagens complexos, é um prato cheio. Eu amei Dispatch, do começo ao fim, e recomendo sem hesitar.
Essa análise de Dispatch segue nossas diretrizes internas. Clique aqui e confira nosso processo de avaliação.
Uma das melhores narrativas de 2025
Visual, ambientação e gráficos - 10
Jogabilidade - 8
Diversão - 10
Áudio e trilha-sonora - 10
9.5
Obra de Arte
Apesar das limitações no impacto das escolhas e da baixa punição no gameplay, Dispatch é um jogo marcante, com uma narrativa forte, personagens memoráveis e um sistema de jogabilidade que mantém você preso do início ao fim. É um dos grandes destaques narrativos do ano.





