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Clair Obscur: Expedition 33 – A arte do Chiaroscuro como pilar de um jogo revolucionário

Desvende esse mistério

Uma semana após seu lançamento, Clair Obscur: Expedition 33 já se estabeleceu como um dos títulos mais marcantes de 2025. Nossa análise já o destacou como um forte candidato a Jogo do Ano, e parte fundamental dessa aclamação reside não apenas em sua jogabilidade refinada ou narrativa impactante, mas em sua profunda e intencional ligação com a história da arte. Falamos da técnica do chiaroscuro.

Aqui, vamos explicar como essa dança secular de luz e sombra não é apenas um adorno estético em Clair Obscur: Expedition 33, mas um pilar que sustenta sua atmosfera opressora, suas mecânicas de combate reativas e seus temas existenciais, contribuindo decisivamente para a obra-prima que chegou às nossas mãos. Vamos desvendar como a Sandfall Interactive utilizou um princípio artístico centenário para forjar uma experiência tão moderna e inesquecível.

Uma pincelada do destino: O mundo sombrio de Clair Obscur: Expedition 33

Como vocês que já jogaram sabem, Clair Obscur nos joga em um mundo assombrado pelo Artífice. A cada ano, essa entidade desperta e pinta um número em seu monólito. Todos que atingem essa idade específica naquele ano… simplesmente desaparecem, virando fumaça. A cada ano, o número diminui. A trama que vivenciamos começa quando a Artífice está prestes a pintar “33”, e a humanidade lança a desesperada Expedição 33 para tentar detê-la. É um cenário de beleza melancólica, inspirado na França da Belle Époque, mas perpetuamente assombrado pela aniquilação artística iminente.

O que diabos é Chiaroscuro? (A conexão artística)

Agora, vamos conectar os pontos com a arte. Chiaroscuro é um termo italiano que significa, literalmente, “claro-escuro”, uma técnica que explodiu durante o Renascimento e o Barroco, entre os séculos XV e XVII aproximadamente. Essencialmente, trata-se do uso de contrastes FORTES entre áreas de luz e sombra numa obra de arte. Os artistas empregavam essa técnica não apenas por estilo, mas para alcançar efeitos poderosos: criar um senso de drama intenso, dar volume e uma ilusão tridimensional às figuras pintadas, guiar o olhar do espectador diretamente para os pontos cruciais da cena e evocar emoções profundas, que podiam variar da serenidade divina ao terror mais visceral.

Imagine pegar uma lanterna em um quarto escuro e iluminar apenas um rosto ou objeto; o contraste dramático, as sombras profundas engolindo o resto, isso captura a essência do chiaroscuro. Mestres como Leonardo da Vinci exploraram-no com transições mais suaves, associadas à sua famosa técnica de sfumato, mas foi Caravaggio quem radicalizou o método, mergulhando grandes partes de suas telas em escuridão e usando feixes de luz quase teatrais para destacar a ação principal, uma forma extrema que ficou conhecida como Tenebrismo. Mais tarde, Rembrandt também usou a interação de luz e sombra com maestria para explorar a psicologia e a emoção complexa de seus retratados.

Como Clair Obscur: Expedition 33 pinta com luz e sombra?

Okay, legal a aula de história, mas e o jogo? A conexão é VISCERAL e se manifesta de várias formas interligadas. Primeiramente, no visual e na atmosfera. O jogo é descrito como “visualmente espetacular”, com “ambientes de cortar a respiração”. Contudo, não se trata apenas de beleza superficial. Essa estética inspirada na Belle Époque é constantemente banhada em luz e sombra dramáticas, criando uma atmosfera própria. Testemunhamos “momentos melancólicos e sombrios”, que são equilibrados pela esperança perseverante dos personagens. A luz serve para guiar o jogador através de cenários ricos, definir espaços surreais como as “Águas Voadoras”, e por vezes a paleta de cores se reduz drasticamente, com momentos inteiros renderizados em escala de cinza para intensificar a tensão – uma aplicação direta dos princípios do chiaroscuro. Essa justaposição da beleza otimista da Belle Époque com a escuridão iminente e a iluminação dramática amplifica a sensação de tragédia e perda no mundo do jogo.

Mas essa interação de luz e sombra vai além da estética, integrando-se diretamente à jogabilidade. Clair Obscur mistura combate por turnos com ações em tempo real, exigindo que o jogador execute esquivas, aparadas (parry) e contra-ataques no momento preciso. A chave para o sucesso está em prestar atenção às “pistas audiovisuais”. A necessidade de ler padrões de ataque rapidamente, uma característica que levou a comparações com a intensidade de Sekiro, significa que a clareza visual – a luz – no meio da potencial obscuridade ou confusão visual – a sombra – do campo de batalha é fundamental para a sobrevivência. A luz destaca a ameaça iminente, enquanto a sombra pode ocultá-la ou criar distrações. Assim, o chiaroscuro se transforma de um princípio artístico em uma mecânica de jogo essencial: ver claramente é, literalmente, parte da luta.

Finalmente, até mesmo os personagens são esculpidos por essa luz e sombra. Figuras como Gustave, o engenheiro de 32 anos com seu tempo se esgotando, a jovem e enigmática Maelle, ou a temível Artífice, ganham profundidade não apenas por seus trajes ou diálogos, mas pela forma como a iluminação escultural realça suas expressões faciais, posturas e os fardos emocionais que carregam, permitindo uma conexão mais profunda com seus conflitos internos, de forma semelhante a como Rembrandt usava a luz para revelar a alma em seus retratos.

Temas que ecoam na escuridão

Essa profunda conexão entre o jogo e a arte se estende aos temas centrais da narrativa. A própria história de Clair Obscur é uma poderosa manifestação da luta fundamental entre Luz e Escuridão. A jornada da Expedição 33 contra a Artífice representa a batalha da vida, esperança e conhecimento contra a morte iminente, o desespero e o desconhecido. O chiaroscuro, com sua essência baseada nesse contraste primordial, torna-se a ferramenta visual perfeita para expressar esse conflito.

A premissa do jogo força uma confrontação direta com a Vida, a Morte e a Mortalidade, temas existenciais que o chiaroscuro, especialmente em sua fase barroca, frequentemente explorou em cenas de martírio ou naturezas-mortas simbólicas. Clair Obscur: Expedition 33 também representa uma busca por Conhecimento contra a Ignorância, aventurando-se na escuridão para desvendar os mistérios da Artífice, de forma análoga a como o chiaroscuro ilumina seletivamente, revelando alguns aspectos enquanto oculta outros.

Por fim, a figura da Artífice levanta questões sobre o poder e o perigo da própria arte, usando sua criação para controlar e destruir. Isso espelha como o chiaroscuro, enquanto técnica, pode ser usado não apenas para representar, mas também para manipular a percepção e a emoção, mostrando que a arte, assim como a luz e a sombra, possui um poder ambíguo.

Por que essa conexão eleva o jogo?

A escolha deliberada do nome e da estética chiaroscuro pela Sandfall Interactive, como argumentamos, não foi acidental. É uma declaração de intenções que se prova fundamental para o sucesso do jogo. Eles pegaram influências reconhecíveis de JRPGs clássicos e modernos (como Final Fantasy e Persona) e a tensão de combate de jogos como Sekiro, mas fundiram tudo isso com uma linguagem visual poderosa e carregada de história artística.

Essa mistura da ambientação única da Belle Époque com o drama claro-escuro cria algo que se sente, ao mesmo tempo, reverente à tradição e incrivelmente original. Evita os clichês visuais da fantasia medieval e oferece uma experiência que transcende o mero entretenimento, tornando-se artisticamente ressonante e um dos motivos pelos quais o consideramos tão especial.

A luz no fim do túnel (e da expedição)

Clair Obscur: Expedition 33 se firma, portanto, como muito mais do que apenas um dos melhores RPGs do ano. É uma ponte fascinante entre séculos de história da arte e a interatividade dos videogames modernos. Ao abraçar o chiaroscuro de forma tão integral, não somente no nome, o jogo não só constrói um visual impactante e mecânicas inteligentes, mas também aprofunda seus temas universais de vida, morte e esperança contra a adversidade.

É um lembrete poderoso de que os jogos podem ser, e frequentemente são, profundamente artísticos, dialogando com o passado para criar futuros digitais complexos e emocionantes. A Sandfall Interactive não apenas entregou um jogo excelente, mas uma obra que ilumina as possibilidades da arte nos videogames.

Bernardo Cortez

Formado em Relações Internacionais, Bernardo aproveitou o dom de escrever para algo útil. Músico, viajante, cronista e amante de qualquer coisa que seja relacionada a jogos, seu sonho é ser jornalista na área. Tem um carinho especial por jogos que tragam o melhor de todas as formas de arte que os englobam.

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